terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crítica de arte por João Manuel Neto Jacob


Gente com alma e história

Helena Canotilho surpreende-nos hoje com duas realidades que, aparentemente, se antagonizam. Cinco das obras expostas são de cariz marcadamente abstracto, ainda que com referências ao real através de texturas e elementos geometrizados que definem a estrutura volumétrica do quadro e reforçam a sua espacialidade, remetendo a obra para uma contemporaneidade pictórica de vanguarda. De cromatismo contido por paleta suave, à excepção de uma das obras, conseguiu-se uma harmonia e calma positividade suspensa em tridimensionalidade espacial geometrizada, com acentuação do dinamismo pelo conjunto das obras da mesma temática apresentadas.
Por outro lado, das restantes dez obras, oito remetem-nos para uma contemporaneidade arcaica, de rusticidade camponesa dominante, em que as histórias de vida se revelam nos rostos, nas mãos e nos trajes dos retratados, sendo os contextos culturais e míticos, de realismo onírico acentuado alguns deles, definidos por tarefas e funcionalidades de objectos ligados ao mundo rural.
Curiosamente, estas personagens, transformadas em arquétipos pela arte e técnica de Helena Canotilho, carregam uma ruralidade positiva, de encanto assumido, em que os modelos expõem e abrem a alma, remetendo-nos para um mundo mítico onde reina a harmonia e a empatia e a conflitualidade não desponta. É gente feliz, com alma e história.
Os outros dois retratos são de contexto urbano. Aqui, os retratados a corpo inteiro estão caracterizados pela solidão e isolamento, vítimas de um mundo que já desistiram de compreender: o pedinte suporta o peso da miséria e da pobreza partilhadas em magro alimento com o rafeiro amigo, único depositário da afectividade possível; o velho reformado ensimesmou-se no vazio do banco e do mundo, sem esperança nem motivação, em desconsolado e final torpor acentuado pela aridez da paisagem e pela paleta utilizada e, ainda, pelo peso dantesco das três colombinas figuras, de escala invertida à maneira de Bosch, que (o) esperam.

João Manuel Neto Jacob
Crítico de arte

Sem comentários:

Enviar um comentário